sábado, 3 de dezembro de 2011

Tempo de figos

“No dia seguinte, quando saíam de Betânia, teve fome. Ao ver, à distância, uma figueira coberta de folhagem, foi ver se acharia algum fruto. Mas nada encontrou senão folhas, pois não era tempo de figos. Dirigindo-se à árvore, disse: “Ninguém jamais coma do seu fruto”. E seus discípulos o ouviam. Passando por ali de manhã, viram a figueira seca até as raízes. Pedro se lembrou e disse-lhe: “Rabi, olha a figueira que amaldiçoastes: secou”. Jesus respondeu-lhes: “Tende fé em Deus”.”
(Mc 11,12-14.20-22)

Quando se tem fome não se pensa em outra coisa a não ser acabar com ela. Jesus “teve fome” (v.12) e rapidamente se dirigiu até uma figueira, mas só “encontrou folhas” (v.13). Então Jesus disse à figueira que “ninguém jamais comeria de seus frutos” (v.14). Não podemos ver a reação de Jesus apenas como um ato de maldade, pois certamente não amaldiçoa a figueira simplesmente pelo fato de não conseguir matar a sua fome.

Primeiramente, a figueira é vista como um símbolo de Israel, uma queixa pelo fato de que os justos sumiram do país. O próprio profeta Miqueias já condenava a figueira sem frutos (Mq 7,1ss).  Em um segundo momento, a figueira em Marcos se liga ao Templo; Jesus vem para transformar a religião, que se tornou estéril. O Templo não era mais lugar de oração e contato com Deus.

Ora, a figueira e os figos são também o símbolo do homem, pois nos leva a refletir como anda a nossa fé. Isso porque, para Jesus, a única espiritualidade que está de acordo com os projetos de Deus é aquela que dá frutos que servem de alimento para o próximo. Mesmo que “não seja tempo de figos” (v.13), a fé em Deus e a confiança inabalável em sua bondade divina levarão a “despontar figos na figueira” (Ct 2,13).

Sendo assim, imaginemos que é tempo de figos. As figueiras estão repletas de figos. Figos são frutos que se formam unidos ao caule, carnosos e de cor verde-arroxeada. É hora então de ir até a figueira e colher seus frutos para, então, preparar um delicioso doce de figos. Não dá para perder tempo, é necessário pegar o balaio, apanhar os figos e prepará-los antes que apodreçam.

            Apanhados os figos, tem início a preparação do doce. O primeiro passo é raspar o figo para tirar o amargo e a casca grossa. Com o passar do tempo nossa fé corre o risco de se tornar amarga, uma fé cheia de ressentimentos que acaba caindo em uma angústia. Ou pode acontecer de se criar uma casca grossa em torno de nossa fé. Se for esse o caso, o que se tem é uma fé de aparência, presa a ritualismos, incapaz de produzir obras. Tal casca impede o contato de Deus com o nosso interior. Por isso, a necessidade de se raspar o figo: tirar as falsas convicções, as imagens turvas. É como o processo de ir raspando as tintas de uma parede até chegar ao seu original. Assim, tirar o amargo e a casca grossa do figo é chegar à essência, demonstrar o que de bom se tem para oferecer.

            Pode acontecer que, mesmo cumprindo com muito cuidado a primeira etapa de preparação do doce, fique algum resquício. Então é necessário fazer alguns furos em todo o fruto. Tais furos vão permitir que se chegue até o interior do fruto, mesmo que tenha ficado um resquício de casca grossa; essa não impedirá mais o contato com o âmago do fruto. Ora, quanto mais fortalecida a fé vai se tornando, menos barreiras ela vai encontrando, pois, um homem maduro na fé traz consigo a força do Espírito, Espírito que tudo transforma, orienta e dá um novo vigor. Mas é preciso, além dos furos, fazer um “rachadinho” em forma de cruz. Trazendo isso para nossa vida, lembramo-nos de que no nosso Batismo fomos assinalados com o sinal da cruz, pertencemos a Cristo. A cruz, que antes era escândalo, torna-se, a partir de Cristo, um sinal de salvação. Paulo mesmo nos lembra que “a linguagem da cruz é loucura para aqueles que se perdem, mas para aqueles que se salvam, nós, é poder de Deus” (1Cor 1,18). Assim, trazemos em nós a marca de nossa fé, a pertença a Cristo.

            Concluídas as preliminares, é ora de imergir os figos na água e dar uma leve fervura. Quando mergulhados os figos na água, esta penetra todo o fruto e inicia uma transformação, mas quando a água vai se esquentando, o amargo dos figos desaparece. O homem de fé intensa não tem medo, mergulha em Deus, deixa-se tocar totalmente pelo Santo Espírito, aguenta com alegria as “fervuras” porque sabe que elas o tornarão mais doce, mais santo.

            Agora é hora de deixar os figos descansarem na água durante toda uma noite. A fé leva o homem a descansar em Deus. Sim, um homem de fé busca, sem se cansar, a Deus, através da oração. Oração intensa, íntima, pura de coração, que dá forças para suportar as noites escuras da vida. O próprio Mestre convida os seus a orar com ele durante a noite (Mc 14,32-42), mas não é fácil. A oração na bonança é fácil, mas orar em tempos de tempestades exige muito mais. A oração noturna é exigente, e só o homem de fé é capaz de realizá-la, pois traz consigo a luz interior. O essencial é que a nossa oração traga a marca da fé em Deus, pois através dela descobriremos tudo de bom que Deus faz na nossa vida e como ele sempre caminha conosco. Mas é interessante notar que os figos descansam juntos; vemos, assim, a importância das relações inter-humanas. A oração é também em comunidade, é um preocupar-se com o outro. A oração não pode excluir, mas sim ajuntar a todos no amor.

            Quando o sol desponta trazendo um novo dia, é hora de retirar os figos da água e apertar um por um, tirando assim o excesso. Ter fé não significa estar livre de provações, somos constantemente “provados como o ouro no crisol” (Sb 3,6), mas só o justo, o homem de fé consegue ver nas provações o amor de Deus. Por mais que sejamos apertados, não se trata simplesmente de um aperto negativo, mas sim um aperto amoroso, o abraço de um Pai no filho (Lc 15,11-32). Mesmo que o sofrimento seja tamanho que impeça a nossa visão de Deus, é necessária uma confiança incondicional, uma fé pura em Deus, que é capaz de transformar morte de cruz em vitória.

            Após tudo isso, o figo volta à panela com um pouco de açúcar e se tem um delicioso doce de figo. Uma calda envolve todos os figos, une a todos, isso nos diz que nós, enquanto comunidade, devemos estar unidos por um mesmo coração e alma (At 4,32). Ora, só um fruto bom é capaz de vencer todas as etapas. Talvez o ponto central não esteja na importância de a figueira estar sem fruto ou com fruto, o que importa, na verdade, é a qualidade do fruto que se produz. Será que estamos em tempos de figos? E se estivermos, que tipo de figos está nascendo na figueira?

            Sim, é verdade que nem sempre se encontram figos na figueira, pois “não é tempo” (v.13). Em pleno inverno não haverá figos na figueira, mas “tende fé em Deus” (v.22), pois, se tiveres uma fé verdadeira, mesmo que a figueira esteja sem frutos ou seca, nascerá um figo temporão.

Seminarista Vinícius I. Campos
2° ano de Teologia

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